n. 09 (5): Arte e Antropologia

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Editorial

É com muita alegria que introduzo este número da Revista da Fundarte dedicado a refletir sobre as interconexões entre Antropologia e Arte, áreas do conhecimento que vêm se relacionando há praticamente um século e que recentemente têm se aproximado ainda mais seguindo a tendência pós-moderna de rompimento de barreiras e dicotomias entre os campos do saber.

Nas Artes, nos últimos anos temos assistido a um deslocamento do foco de investigação de seus componentes objetivos, isto é, suas tecnicalidades, especificidades de linguagem, etc, para questões mais amplas como recepção, condições espaciais de feitura e fruição, funções sociais, significados subjetivos, repercussões políticas, educativas e históricas. De um lado, a Antropologia tem uma importância premente neste movimento porque vem ensinando o método etnográfico aos artistas-pesquisadores proporcionando experiências de reflexividade que não seriam passíveis de realização a partir de outros paradigmas de pesquisa. De outro, as Artes, com suas especificidades metodológicas, têm contribuído à revisão dos modelos da etnografia "clássica" propondo outras possibilidades ao trabalho de campo, em sintonia com o momento contemporâneo, complexo, globalizado e híbrido. Quais são as fronteiras espaciais e temporais da pesquisa de campo contemporânea? Segundo George Marcus, "a própria pesquisa de campo (...) em vez do texto etnográfico e sua forma, é atualmente o objeto de experimentação na pedagogia e prática antropológicas, principalmente para etnógrafos estudantes em formação, na medida em que desenvolvem novos tópicos em circunstâncias completamente diferentes das de seus professores e antepassados". Seguindo com o autor: do lado da antropologia, "que valor pode ter o exemplo das apropriações de sua prática central pelo mundo da arte? (...) Que repercussão as apropriações experimentais das modalidades tradicionais de pesquisa de campo em antropologia feitas pelo mundo da arte, para seus propósitos complexos, podem ter para uma antropologia que, por necessidade, está passando da mise-en-scène malinowskiana para a reinvenção dela?".

Podemos pensar sobre isso já a partir do primeiro texto, em que a bailarina e pesquisadora Helô Gravina traz um resumo de sua dissertação de mestrado, ela se utilizou da performance artística como parte de sua metodologia de pesquisa, propondo "colapsar as dicotomias", "aprofundando os pontos de tensão" entre ciência e arte, colocando esses campos do conhecimento numa relação de "reflexividade mútua".

O segundo artigo, assinado por mim, busca informar educadores musicais e estudantes de música sobre pesquisas acerca de processos de transmissão do conhecimento musical das áreas da Etnomusicologia e da Educação Musical que têm se utilizado da etnografia, método criado e desenvolvido pela Antropologia, como paradigma epistemológico na condução de suas reflexões.

Escrito a quatro mãos pelos professores Jorge Zamonner, na UNOESC, e Graciela Ormezzano, da UPF, "Uma escola de samba por dentro" traz um relato etnográfico sobre os processos educativos experienciados por homens e mulheres na escola de samba Vale Samba, de Joaçaba, Santa Catarina.

Dois artigos sobre arte indígena constituem importante contribuição aos interessados. Em "A Pintura corporal dos Puris, Coroados e Saruçus na região Norte-Noroeste Fluminense", a prof.ª Vera Pletitsch, da UENF, traz dados muito interessantes sobre as manifestações de artes visuais dos povos indígenas já desaparecidos da região próxima ao município de Campos de Goytacazes (RJ). A partir de material bibliográfico e iconográfico dos séculos XVIII e XIX, seu trabalho se insere na discussão sobre patrimônio material e imaterial que têm participado intensamente das reflexões atuais nas Ciências Humanas.

Já a prof.ª Marilda Oliveira de Oliveira, da UFSM (RS) traz um relato sobre a cultura das populações guaranis que residiam nas missões jesuíticas do Paraguai, nos séc. XVII e XVIII incorporando, no momento atual de sua pesquisa, dados contemporâneos sobre essas populações.

O sexto artigo de nossa Revista discute as relações entre arte, corpo e subjetividade na perspectiva da formação do sujeito contemporâneo. Contribuição da prof.ª Cynthia Farina, do CEFET de Pelotas (RS), esse artigo enfatiza a reflexão sobre as práticas estéticas atuais em suas relações com o que autora chamou de pedagogia das afecções que "buscaria favorecer práticas de problematização e resistência à homogeneização nos modos de vida, capazes de fazer ver e conduzir o paradoxal, o irregular, o heterogêneo que compõesm a realidade do sujeito".

E por falar em estética, a música brega também tem seus espaço preservado nas discussões contemporâneas. Paulo Murilo Guerreiro do Amaral traz um relato de sua pesquisa de doutorado em andamento sobre o tecnobrega de Belém do Pará. Entre Mozart, Beethoven, Banda Calypso e Gaby Amarantos, pesquisador e pesquisados mixam-s na narrativa bem aos moldes da etnografia reflexiva contemporânea, fazendo fervilhar a discussão sobre gosto musical e levantando "Tapas e Beijos" na construção de seu objeto de pesquisa.

Por fim, a prof.ª Cristina Rolim Wolffenbüttel (FUNDARTE/UERGS) discute as interlocuções entre folclore e educação, temática a qual dedica-se há muitos anos, seguindo os passos da estimada professora e folclorista Rose Marie Reis Garcia, falecida precocemente em 2004, de quem foi seguidora, colaboradora e amiga. Fica, através do texto, sensível da Cristina, nossa homenagem à prof.ª Rose.

Nosso desejo é que este número da Revista da Fundarte contribua para motivar ainda mais futuros pesquisadores, artistas, antropólogos e afins, em direção a discussões e colaborações mútuas cada vez mais estimulantes. Boa leitura!

Luciana Prass





Publicado: 01.07.2005

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